Em plena ditadura militar, a década de 70 foi a mais promissora para o Horror brasileiro no cinema. O movimento 'Udigrudi' ( o underground verde-amarelo, também conhecido como Cinema Marginal) e a emergente produção da chamada Boca do Lixo providenciaram o estufo 'B' necessário. Infelizmente, uma grande parte desses filmes são obras perdidas, não preservadas em outras mídias...
"Phobus, Ministro do Diabo" (1970) de Luiz Renato Brescia
Phobus (Ivaldo Selva), líder de uma seita do antigo Egito, sacrifica uma jovem dançarina, enfiando-lhe uma faca no peito, e torna-se imortal por meio de um pacto com as forças do mal, mas não consegue concluir seu plano de dominar a Terra. Ele falha ao tentar tornar imortais a princesa Íris e a rainha Aminófis, que são mortas antes da conclusão do ritual. Cinco mil anos depois, na atualidade, Phobus, agora vivendo como o professor de filosofia Flávio (Ivaldo Selva) reencontra em Belo Horizonte as duas mulheres reencarnadas: Tânia / Íris (Neide Giovanni), e Wilma / Aminófis (Zélia Marinho).
Ele pretende refazer os ritos malignos e possuir as duas mulheres, contando com a ajuda de seus assistentes fantasmas / mortos vivos que carregam tochas.
O mineiro de Juiz de Fora, Luiz Renato Brescia (1903-1988) era um apaixonado pela arte cinematográfica, e entre 1921 e 1927, estudou cinema e química fotográfica em Milão, na Itália. De volta ao Brasil se aventurou de forma independente, e produziu um exótico exemplar nacional de filme épico ao estilo 'peplum' - "Nos Tempos de Tibério César" (1952), dirigido e escrito por seu filho Ettore Brescia. Entre 1965 e 1970, novamente com roteiro de Ettore, dirigiu em Belo Horizonte, com a colaboração da população, de duas rádios locais, estudantes universitários e de atores semi-profissionais, seu terror inspirado em H.P. Lovecraft.
Realizado com um elenco de amadores, equipe técnica diminuta e contando com inúmeros “defeitos especiais” óticos desenvolvidos pelo próprio diretor, a obra só receberia um lançamento precário em 1974, encerrando a carreira de Brescia, e o filme hoje, é uma mídia perdida.
"Barão Olavo, o Horrível" (1970) de Júlio Bressane
O velho e decadente Barão Olavo (Rodolfo Arena: Angelo Arena, 1910-1980) é maníaco por cadáveres, assassinatos e violações sexuais, e costuma atacar o cemitério local...
... e tem como assistente, um padre (Guará/ Guaraci Rodrigues, 1943-2006), que também é o coveiro local, e alerta: 'As coisas vão mal! Cuidado com o Barão!'.
Duas garotas em uma relação lésbica (Helena Ignez e Lilian Lemmertz) se veem presas no calabouço sem paredes do casarão de campo do barão...
... enquanto na cidade, o trem fantasma no parque de diversões roda...
Primeiro filme experimental colorido de Júlio Bressane (Júlio Eduardo Bressane de Azevedo, 1946, foto ao lado), rodado na casa do artista Elyseu Visconti.
(J. Bressane, Festival de Cinema de Torino )
https://www.youtube.com/watch?v=n0BjtnQ74Ik
"O Impossível Acontece" (1970) de C. Adolpho Chadler, Daniel Filho e Anselmo Duarte.
“O Acidente” (de C. Adolpho Chadler)
Dois sobreviventes de desastre aéreo encontram-se num quarto de hospital durante muito tempo, mas, um deles descobre que o outro nunca havia existido.
“Eu, ela e o outro” (de Daniel Filho)
Lúcia (Glória Menezes) mata o marido e elabora um plano macabro para se livrar do cadáver, e uma trama para responsabilizar o melhor amigo do marido por sua morte.
“O Reimplante” (de Anselmo Duarte)
Aristótles (Tião Macalé) é homem mulherengo que perde a virilidade ao ser atacado por sua mulher (Wilza Carla) empunhando uma navalha, que extirpa seu órgão. A solução virá de um reimplante de 'origem divina'.
Depois de "Incrível, Fantástico, Extraordinário" (1969), Chadler voltaria com outra antologia , agora com roteiro e co-direção dos famosos Anselmo Duarte (1936- 2009) e Daniel Filho (1937), e episódios ao estilo do seriado americano “Além da Imaginação” (Twilight Zone) com um tempero nacional, misturando suspense policial e fantasia, com comédia. Mídia perdida.
"Os Monstros de Babaloo" (1970) de Elyseu Visonti Cavallero
Uma família disfuncional e grotesca no comando de um mítico paraíso tropical ao sul do Equador. O industrial Sr. Badu, o empresário mais rico da ilha de Babaloo, é o produtor de sardinhas, bananas, velas e é o chefe do lugar - 'com punhos de ferro, rei do quiabo e do jiló'. Ele é casado, mas sua única preocupação é conseguir novas amantes.
Sua esposa, Madame Bouganville (Wilza Carla, 1936-2001), divide seu tempo entre conseguir amantes, comer desesperadamente, e fazer compras.
Ainda temos sua filha (Helena Ignez, 1942), a torturada empregada Frinéia (Zezé Macedo - Maria José de Macedo, 1916-1999), filhos retardados presos em galinheiros, um playboy desdentado, a luta pela herança familiar, e eventualmente assassinatos.
Elyseu Visconti (Rio de Janeiro, 1939-2014, filho do pintor Eliseu Visconti, dono da casa do "Barão Olavo" de Bressane ), cria uma obra grotesca, trash e caótica, com variações burlescas do terror, e críticas a sociedade burguesa / classe média brasileira. Este filme tem a aparência e a atmosfera dos primeiros filmes de John Waters (mas é anterior), e foi proibido pelo Regime Militar da época. O elenco mistura atores e não atores, e o som foi gravado separadamente ,o que só amplifica a natureza 'Marginal' e demente do filme.
https://www.youtube.com/watch?v=Hb1ZJ9fusOU
"A Possuída dos Mil Demônios" (1970) de Carlos Frederico Jordan ( Rodrigues )
Uma mulher pobre (Isabella Cerqueira Campos), é atormentada por delírios, possuída por forças desconhecidas e torna-se tarada e agressiva – a 'Possessa de Jacarepaguá' – Ela passa, então, a seduzir homens de todas as idades para depois atacá-los. No entanto, suas ações apavoram a comunidade local conservadora, e chamam a atenção da polícia, que arma um plano para eliminá-la.
Dos muitos casos de filmes não preservados, esse é um dos casos mais 'trágicos', já que até o material de divulgação não é mais encontrado...
“O Macabro Dr. Scivano” (1971) de Raul Calhado e Rosalvo Caçador
O Dr. Edmundo Scivano (Raul Calhado) , depois de uma carreira política fracassada, retorna a sua cidadezinha natal. Desacreditado, e alvo de zombarias de seus conterrâneos, apenas o caseiro José (Luis Leme) permanece seu amigo, e lhe indica um terreiro de macumba para encontrar respostas .
Scivano faz um pacto com as forças do mal, e recebe de um espectro uma pepita de ouro toda noite, e em pouco tempo acha-se em condições de pagar suas dívidas.
Mas, o médico se metamorfoseia num vampiro que ataca as mulheres do povoado. Finalmente, o vampiro é abatido pelos tiros de um guarda, e diante de uma cruz se pulveriza. Psicólogos discutem uma possível paranoia de Scivano, o que vem a ser confirmado quando o delegado descobre um manequim feminino na cama do médico.
Promovido na época como “O Primeiro filme brasileiro de Ficção Psico Científica” (?!), era na verdade uma tentativa de imitar Zé do Caixão, com o ator e co-diretor Calhado fazendo aparições públicas caracterizado como o seu personagem, e a codireção de Rosalvo Caçador, ator em "O Estranho Mundo de Zé do Caixão", e outros trabalhos de Mojica.
"As Noites de Iemanjá" (1971) de Maurice Capovilla
"O Homem-Lobo" (1971) de Raffaele Rossi
Durante o Natal em uma cidade do interior. O professor Rogério (Lino Braga) e sua esposa Maria (Claudia Cerine), socorrem uma mulher que está em trabalho de parto em um casebre, mas ela falece ao dar a luz a um menino. O garoto Roberto cresce e é internado num colégio distante. O professor tenta várias vezes visitar Roberto, mas é impedido pela esposa, que revela um ciúme doentio. Dez anos depois, o professor Rogério consegue transferência para lecionar no colégio onde estuda o filho adotivo.
Ele descobre que sempre que surge a lua cheia...
... Roberto (o diretor e roteirista Raffaele Rossi) sofre estranhas dores, e transforma-se em um lobisomem que sai em busca de vítimas...
... deixando um rastro que acaba incriminando o seu pai adotivo pelo que acontece. Movido pelo sentimento paterno, o professor procura dissimular os fatos, aceitando que a culpa recaia sobre si, até o momento em que ele próprio sai em busca do seu atormentado filho para eliminá-lo...
O ítalo-brasileiro Raffaele Rossi (1938-2007), escreveu, dirigiu e estrelou essa fábula de horror questionando a autoridade paterna e a negligência. A produção começou a ser filmada em 1966, em Alterosas (MG) e Piracicaba (SP), mas só chegou às telas em 1971. O primeiro filme de lobisomem nacional tem um roteiro bastante básico, e problemas com o elenco quase amador, mas, sendo uma produção estilo Boca do Lixo, é melhor do que o esperado. Hoje em dia o filme é mais conhecido pela participação de uma dupla de cantores infantis sertanejos, chamados: Xitãozinho & Xororó...que aparecem cantando em uma cena.
https://drive.google.com/drive/folders/1sU9QpAPuUsAsljOeOBtzKow-gUI-A3jO
" Fantasticon - Os Deuses do Sexo" (1971) de Tereza Trautman e J. (José) Marreco
- A Curtição (Tereza Trautman) - Um jovem toma drogas alucinógenas como forma de aguentar a pressão na época da repressão.
- Os Últimos (José Marreco) - Um homem é atropelado e em seguida conhece uma mulher que lhe concede poderes sobrenaturais
- Kelak, A Bruxa (de José Marreco) - Um rapaz é assombrado por uma voz misteriosa e acaba se apaixonando por uma feiticeira que não pode se relacionar com mortais.
Longa de episódios de baixíssimo orçamento, na verdade a reunião de três curtas dos diretores estreantes reunidos. Mistura de drama, comédia, sobrenatural e ficção científica, que também está 'perdido'.
"Guru das Sete Cidades" (1972) de Carlos Bini
Grupo de motoqueiros, e jovens desocupados, liderados por um hippie a quem chamam de Guru (Otavio Terceiro), perambula pela região deserta do Piauí, conhecida como Sete Cidades, onde praticam rituais de magia negra.
O motoqueiro Beto Pilantra ( Paulo Ramos) se envolve com Soninha (Rejane Medeiros), uma moça atraente, casada com um industrial milionário mais velho e conservador...
... que ela indica para ser sacrificado em uma cerimônia demoníaca...
Então, o homem é morto pelo culto numa simulação de assalto e, dias depois, Sonia volta e acaba sendo ela mesma, a vítima do sacrifício.
https://www.youtube.com/watch?v=mR71P11Bgcg
"O Diabo tem Mil Chifres" (1972) de Penna Filho
Os recém casados Zé Luiz (Rogério Dias) e Marinês (Sabrina Marchesini) recebem por carta uma 'corrente'. Apesar de supersticioso, o casal não a passa adiante. Um dia, Zé Luiz descobre que a mulher o está traindo com um artista plástico (Dirceu Conti). Contudo, o pintor, apesar de seus quarenta anos, é um homem sedutor, e estabelece-se um triângulo amoroso, tal como as desgraças preditas pela 'corrente' como castigo de seu não cumprimento. O Diabo surge para Zé Luiz, fazendo-lhe uma estranha proposta para extinguir o castigo da omissão da 'corrente'. Ele reluta em aceitar, mas sentindo seu mundo ruir, enquanto o pintor faz um esboço de Marinês nua, Zé Luiz acende duas velas para o Diabo."
(Guia de Filmes, 73/74)
O Guia de Filmes 73/75 informa que o filme recebeu o certificado do INC em 1972, mas ficou retido na Censura Federal e foi liberado somente em 1977. Mídia perdida.
CONTINUA...
Fontes-
- Arquivos do autor
Publicações:
- Maldito: A vida e a obra de José Mojica Marins, o Zé do Caixão (editora 34, 1998) de Ivan Finotti & André Barcinski
- Medo de quê: Uma história do horror nos filmes brasileiros (Unicamp) de Laura Loguercio Cánepa
- Mondo Macabro (St. Martin Griffin, USA, 1998) de Pete Tombs
- Enciclopédia do Cinema Brasileiro (Sesc/SENAC 2012) de Fernão Pessoa Ramos & Luis Felipe Miranda
- Revistas GF- Guia de Filmes, e Filme Cultura (Embrafilme e Inst. Nacional de Cinema 1967-1977)
WEB:
- IMDB
- Wikipédia
- Canibuk - https://canibuk.wordpress.com/2011/11/06/estes-praticamente-estranhos-filmes-de-horror-nacional/
- Portal Brasileiro de Cinema - https://www.portalbrasileirodecinema.com.br/horror/extras-filmografia.php?indice=extras
- Cinemateca Brasileira- https://cinemateca.org.br/acervo/base-de-dados/
- Revista Filme Cultura -
https://revista.cultura.gov.br/wp-content/uploads/2017/06/Filme-Cultura-n.61.pdf#page=35
- Revista Pesquisa Fapesp - https://revistapesquisa.fapesp.br/horror-a-brasileira/
- Revista Acrobata- https://revistaacrobata.com.br/acrobata/artigo/o-horror-nao-horrivel-do-cinema-udigrudi/
- Facebook - Fábio Vellozo - https://www.facebook.com/fabio.vellozo.1
- Facebook- Filmoteca do Horror Brasileiro - https://www.facebook.com/horrorbrasileiro
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