** Publicado Originalmente no extinto Blog Museu da Meia Noite, em 10 de março de 2023 💀
Pré-História:
As Histórias em quadrinho remontam aos anos 1800, quando apareceram os primeiros 'comics' (expressão inglesa explicada pelo fato de que as primeiras HQs traziam apenas comédia em seus enredos) publicadas em tiras de jornais. Os primeiros 'comic books' (revistas em quadrinhos, gibis) só começaram a ser editadas realmente nos anos 1930, quando também proliferaram histórias de aventuras, com detetives e heróis das selvas. O sucesso do ciclo de filmes de terror da Universal Pictures dos anos 30/40 (com Boris Karloff, Bela Lugosi & cia.) começou a influenciar as HQs, que já incluíam personagens 'monstruosos', como gorilas selvagens, cientistas loucos e vampiros, mas não assumiam o gênero, que estava presente na literatura gótica, nas revistas 'pulp' (revistas populares com contos e novelas), programas de rádio, e no cinema.
Revistas americanas pulp de 1928,e 1936
O Brasil é um dos pioneiros dos comics de terror no mundo. "A Garra Cinzenta" é uma história em quadrinhos brasileira, que foi publicada originalmente no suplemento "A Gazetinha" do jornal A Gazeta entre 1937 e 1939, em 100 capítulos (uma página de cada vez). Criada por Francisco Armond (um pseudônimo tão misterioso quanto seu personagem) e desenhada por Renato Silva (1904-1981), trazia uma mescla de policial noir, fantasia Pulp, terror e ficção científica, com seu personagem principal... um macabro gênio criminoso com rosto de caveira e um assistente robô gigante.
A história conseguiu reconhecimento mundial na época, sendo publicada no México, França e Bélgica. Na Europa a série era conhecida como 'La Griffe Grise', e os europeus achavam que a história fosse de origem mexicana e não brasileira.
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Nos EUA o primeiro personagem de terror em quadrinhos foi uma adaptação do personagem clássico de Mary Shelley, "Frankenstein" (baseado no ciclo Frankenstein da Universal), que apareceu no # 7 da revista "Prize Comics" (em dezembro de 1940) feita por Dick Briefer, assinando como' Frank N Stein'.
É contada a origem da criatura de Frankenstein, mostrando-a como um personagem simpático, heroico, mas, claro incompreendido. O monstro-herói ganhou revista própria, e depois foi transformando em um personagem cômico...
...retornando ainda no traço de Briefer, à sua versão original, séria, entre 1952-1954.
A detetive mascarada 'Loura Fantasma' (Blonde Phantom) enfrenta uma criatura de Frankenstein 'fake' em "O Guri" #192, de maio de 1948
Capa de "O Guri" # 218 de 1949
...publicada na revista "Rangers Comics" da editora Fiction House, do # 8 (1942), até o # 41 (1948). A criação de Armand Weygand (um pseudônimo de um autor até hoje desconhecido), contava as aventuras do professor Armand Broussard, um investigador do oculto, inicialmente apenas um 'Caçador de Lobisomens', cujas aventuras o levaram a enfrentar uma variedade selvagem de outros monstros, feiticeiras exóticas e artefatos de magia negra. No # 14 da revista (dedicada a histórias de aventuras, principalmente de guerra) a série foi assumida pela precursora desenhista Lily Renée (1921-2022, nascida na Áustria), que reclamou que não gostava de desenhar lobos, então ela convenceu o misterioso autor a incluir outras criaturas sobrenaturais nas tramas. Algumas aventuras do "Caçador de Lobisomens" seriam publicadas no Brasil nos anos 1950 pela Editora La Selva.
Fundada na segunda metade década de 1940 em São Paulo, pelo conhecido empresário Vito Antonio La Selva (que antes era apenas distribuidor de revistas), a Editora La Selva lançou em junho de 1950 a revista "O Terror Negro" (como suplemento da revista "O Cômico Colegial", um título que testava diversos personagens diferentes-como 'Supermouse', ou 'Mandrake' - e que chegou até o #850!) , trazendo aventuras de super heróis americanos pouco conhecidos como o titular 'The Black Terror'...
...além de 'Águia Americana', 'Detetive Fantasma', 'Princesa Panta', e outros da editora Nedor Comics. A publicação vendia bem, mas o material original só foi o suficiente até o #9 de Março de 1951. Por sugestão de Reinaldo de Oliveira (1928-1999, gráfico, roteirista, colaborador de textos da editora, e futuramente um grande pesquisador das HQs) a revista voltaria em setembro do mesmo ano, com o mesmo título, mas com uma numeração nova, e...
...sobre um jovem escritor, que em busca de material novo e excitante, acaba viajando para o Haiti, onde encontra...zumbis! Depois temos uma história de fantasma, e uma sobre marionetes vivos e assassinos, todas da "The Beyond #1" de 1950. O sucesso foi estrondoso, e a revista vendia milhares de exemplares por dia! O material interno era todo norte americano traduzido, mas as capas nacionais, macabras e maravilhosamente trabalhadas eram quase todas do artista...
...assim como a capa do " O Terror Negro" # 99 (1957), além de capas de "Histórias de Terror", "Contos de Terror", e "Mundo de Sombras" (da Editora Novo Mundo). Depois ele ilustrou livros de história e folclore, e trabalhou até no cinema, elaborando figurinos de época. Lanzellotti morreu assassinado em sua casa em junho de 1992.
... abrindo caminho para outras pequenas editoras como a minúscula Orbis, que publicou "Sexta Feira 13" ('apresenta Casa Misteriosa' ,1953-1955)...
... com material da revista americana "House of Mystery", e outros títulos da DC Comics; com um diferencial Interessante na época: as HQs da Orbis eram coloridas como as originais americanas.
A Edições Júpiter lançou em 1954 os gibis " O Sepulcro", "Fantásticas Aventuras", "Cavaleiro Fantasma", e "Horror". Apesar de já contar com personagens nacionais , como 'Tambu, O Herói das Selvas' de Gedeone Malagola ( desenhista, filho de imigrantes italianos,1924-2008), os títulos de terror da Júpiter traziam adaptações de historias americanas de Stan Lee, Dick Ayres, Joe Mannely.
A Companhia Gráfica Novo Mundo Editora foi fundada pelo empresário gráfico de origem italiana Victor Chiodi, que imprimia alguns gibis da La Selva. Chiodi também se interessou por publicar algumas revistas, e lançou "Estranhas Aventuras" (número único em 1952), e depois, "Noites de Terror", "Mundo de Sombras" e "Gato Preto", todas em 1956, e com histórias americanas, compradas da distribuidora APLA. Chiodi contratou *Miguel Penteado (que na época trabalhava na La Selva) para ser o seu capista, e ele acabou assumindo a editoria e organizando a editora.
"Noites de Terror" foi publicada de junho de 1956, até junho de 1967, contabilizando 99 números (em 3 séries diferentes) e mais um almanaque!
Criação de Dick Ayres para a "Magazine Enterprises", o "Ghost Rider" (no Brasil foi: Cavaleiro Fantasma- nas Edições Júpiter anteriormente-, Fantasma Vingador, Pistoleiro Fantasma, ou Vingador Fantasma) era um xerife do Velho Oeste que usava truques e uma máscara para se fazer passar por um justiceiro sobrenatural. O cowboy fantasma era uma enganação, mas seus inimigos mais comuns eram- lobisomens, mortos vivos, vampiros, bruxas, e até o...Monstro de Frankenstein!!
Os EUA tiveram sua grande explosão de quadrinhos de terror depois que William Gaines assumiu a editora EC Comics (Educational Comics) criada por seu falecido pai Max Gaines. Em abril de 1950, junto com o editor Al Feldstein, ele lançou dois novos títulos: " The Vault of Horror" e "Crypt of Terror"...
...e logo depois, "The Haunt of Fear", "Weird Fantasy", "Weird Science" e "Shock SuspenStories"...
Com um ótimo nível de arte, e histórias realmente macabras, além de um trio de apresentadores ('hosts') das histórias, que eram sinistros e irônicos, os comics de terror da EC foram um enorme sucesso e se tornaram clássicos e são reverenciados até hoje. Mas, o fenômeno editorial provocou uma dura reação na sociedade conservadora da época.
Após uma cruzada pública do psiquiatra Fredric Werthame, e outros contra as histórias em quadrinhos picantes, de horror e crime, a Comics Magazine Association of America adotou um pesado código de ética (o famigerado Comics Code) em 26 de outubro de 1954. Os gibis de monstros e criaturas sinistras da EC e outras editoras foram literalmente enterrados pela censura.
Comics em uma fogueira pública nos EUA em 1954. Nas mãos da mulher à esquerda da foto, exemplares de terror da EC...
Por aqui também houveram reações contrárias aos quadrinhos de terror por parte de educadores, padres e políticos; como os famosos artigos do jornalista (e depois deputado federal) direitista Carlos Lacerda contra os gibis da La Selva.
As grandes editoras brasileiras da época (EBAL, O Cruzeiro, Abril, Record e Rio Gráfica) também adotaram uma imitação do código americano (e de seu selo), mas não foram seguidas pelas editoras pequenas. O problema aqui foi a falta do material original gringo, que não era mais produzido.
🦇 "Seleções de Terror" se destacou por apresentar em todos os seus números, pelo menos uma história com o Conde Drácula, um personagem ainda pouco explorado, e que se tornaria um dos mais populares. As histórias eram escritas e desenhadas inicialmente por artistas variados como Júlio Shimamoto (#1), Gedeone Malagola, Sérgio Lima, Aylton Thomaz de Oliveira, Juarez Odilon, e outros. Foi também na "Seleções de Terror" que em 1961 foi publicada a primeira versão da famosa história de Jayme Cortez intitulada "O Retrato do Mal" :
"Macbeth, Reinado de Terror", foi adaptada e desenhada por Álvaro de Moya, com arte final (não creditada) de seu amigo Jayme Cortez.
⭐ Álvaro de Moya (1930-2017) começou a desenhar HQs muito cedo, e ingressou na La Selva mais ou menos no mesmo tempo que Jayme Cortez e do editor Reinaldo de Oliveira, e juntos com Miguel Penteado criaram a Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, cuja abertura aconteceu no dia 18 de junho de 1951 na sede do Centro de Cultura e Progresso, em São Paulo.
💭 Primeira e última página da HQ 'Ângela', escrita por Ivan Saidenberg, e desenhada por seu irmão Luiz Saidenberg, publicada a primeira vez na revista "Historias Macabras" # 14, em outubro de 1960. A dupla trabalhou assim em diversas publicações da La Selva, Outubro e Taika. Luiz acabou deixando as HQs (retornando só nos anos 80) e se dedicou a publicidade e artes plásticas. Ivan se tornou um prolífico roteirista para os personagens Disney da Abril, e é creditado como o criador do hilário "Morcego Vermelho". Ivan faleceu em 2009 devido a problemas com diabetes e insuficiência arterial.
Também não havia problema com os encalhes nas bancas de revistas. Os exemplares devolvidos eram encadernados em almanaques, como as literalmente monstruosas edições "Edição Álbum de Terror", com 320 páginas!!!
Eram histórias das revistas americanas "Boris Karloff Tales of Mystery", e "The Twillight Zone", da editora Gold Key, que era especializada em adaptações de séries de TV e desenhos animados para os comics.
"Terror e Guerra" (1968) como anuncia seu título, trazia histórias sobrenaturais durante a Segunda Grande Guerra.
A "Revista de Terror" tinha como personagem principal 'Satã, A Alma Penada', criação de Fernando Ikoma (1945, descendente de japoneses, que depois desenharia para a EBAL e para a Abril, dedicando-se depois as artes plásticas). Satã era uma mulher extremamente má que, após sua morte, é condenada pelos Juízes do Além a praticar 100 boas ações em diferentes locais do mundo. Ela é assessorada pelo corcunda mudo Boo, e a dupla encara feitiços, doenças psíquicas, criaturas desajustadas e traumas gerados por dramas internos de pessoas normais.
"O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (1969), além de adaptações em fotonovela de filmes de Zé do Caixão, trazia também histórias em quadrinhos de terror escritas por Lucchetti, desenhadas por Nico Rosso, e apresentadas por Zé do Caixão 'em pessoa' !
Inspirado no programa homônimo de Jacinto Figueira Júnior, exibido na TV Globo em 1966. Os casos de sobrenatural, crimes violentos e sexo, eram também roteirizados por Lucchetti, com arte de Eugenio Colonnese.
Divertido, colocava apelidos macabros em seus colegas (Shimamoto era 'Shimamorto'), e humor em suas histórias. Brincava com a própria profissão criando diversos detetives policiais engraçados (como o famoso Detetive Teobaldo).
-R.F.Lucchetti-O Mestre do Horror
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